Em plena ofensiva militar para pacificar o país, os refrigeradores do necrotério de uma cidade na Colômbia ficavam lotados. Na ocasião, lembra o coronel Gabriel de Jesús Rincón, foram tirados dali e levados a uma vala comum os corpos sem identificação de supostos guerrilheiros e criminosos.
Mas na verdade, este necrotério estava lotado de corpos de civis assassinados. "Eu não matei, mas influenciei para que os atos fossem cometidos", admite Rincón em entrevista exclusiva com a AFP.
Foi o que marcou a queda do oficial reformado de 53 anos e trouxe à tona o pior escândalo sanguinário nas Forças Militares da Colômbia, no âmbito de um conflito de seis décadas.
Este homem de olhar firme ficou 22 anos no Exército até ser condenado por desaparecimento e homicídio. Entre 2006 e 2008, foi oficial de operações da Brigada Móvel 15, com jurisdição no departamento (estado) de Norte de Santander, fronteiriço com a Venezuela.
Na época, a luta militar contra as guerrilhas foi tão intensa que o necrotério do município de Ocaña não deu vazão.
Em setembro de 2008, a prefeitura e a cúria, temendo uma crise sanitária, conduziram legalmente o traslado de 25 corpos que estavam em câmaras refrigeradas para uma vala comum na localidade de Las Liscas.
No processo, alguns acabaram sendo identificados como corpos de civis que tinham desaparecido semanas antes e eram procurados muito longe dali por seus familiares.
Rincón conta que com a exumação soube quem eram suas vítimas: jovens pobres, que foram enganados e levados para Ocaña saindo de Soacha, localidade próxima a Bogotá e a 740 km do local onde foram mortos por militares.
"Apoiei algumas unidades para dar-lhes alguns meios (...) Falo de fornecer-lhes armamento (...) para fazê-los passar como mortos em combate", detalha.
O alto oficial compartilha pela primeira vez com um veículo de comunicação o que contou aos juízes de paz e às famílias das vítimas, no âmbito de um processo de verdade e justiça com o qual busca uma redução de pena.
Os militares tinham organizado seu próprio "body count", uma contagem premiada de corpos para mostrar resultados na guerra contra as guerrilhas e os paramilitares do narcotráfico, que se intensificou com a chegada de Álvaro Uribe à Presidência, em 2002.
"Não denunciei e permiti que as unidades que estavam lá, na área de combate, fizessem estas práticas", admite Rincón. As recompensas aos soldados incluíam medalhas, dias de folga, anotações elogiosas no currículo ou promoções.
Rincón passou quase dez anos na prisão. Em 2017, foi condenado a 46 anos pelo homicídio de cinco jovens de 20 a 25 anos que moravam em Soacha e foram inicialmente identificados como "mortos em combate".
Segundo seu relato, dois civis que atuavam como recrutadores e com quem não teve relação direta, os levavam de ônibus até Ocaña com a promessa de ganhar "dinheiro rápido".